O mercado automotivo brasileiro é repleto de histórias curiosas, e uma delas envolve o Chevrolet Monza venezuelano. Pouco conhecido entre o público geral, este modelo foi importado de maneira inusitada e chegou ao Brasil em um momento de transição no mercado de automóveis. A história por trás desse veículo é marcada por estratégias da General Motors (GM), restrições de importação e características únicas que o tornam um modelo raro e peculiar.
Atualmente, a Venezuela praticamente não fabrica veículos, devido à crise econômica e política que afeta o país. No entanto, houve uma época em que a indústria automobilística venezuelana era promissora. Em 1989, por exemplo, os venezuelanos tinham à disposição uma versão do Chevrolet Monza montada localmente. Esse Monza tinha algumas vantagens em relação ao modelo brasileiro, mas, apesar de suas qualidades, não foi bem aceito no mercado venezuelano após a chegada do Vectra, um projeto muito mais moderno que seria lançado no Brasil apenas em 1993.
Com o Vectra ocupando o espaço de um veículo mais atualizado e desejado, as concessionárias venezuelanas ficaram com um grande estoque de Chevrolet Monza encalhado. A solução encontrada pela GM foi trazer essas unidades para o Brasil, um movimento ousado, já que as importações de veículos no país só seriam oficialmente liberadas em 1990.
A “Importação” do Monza Venezuelano
Em 1989, a General Motors enviou ao Brasil aproximadamente 570 unidades zero-quilômetro do Monza venezuelano, um lote que, em tese, não poderia ser vendido em solo brasileiro devido à proibição das importações naquele período. No entanto, a GM utilizou um argumento criativo para contornar essa proibição: alegou que esses veículos faziam parte de uma devolução de carros que haviam sido exportados em peças separadas para montagem na Venezuela, através do sistema conhecido como CKD (completely knocked down ou totalmente desmontado).
Segundo esse argumento, as peças teriam sido enviadas do Brasil e montadas na Venezuela, e, posteriormente, devolvidas ao país de origem. Embora não se saiba ao certo se esse argumento foi o suficiente para convencer o governo brasileiro a abrir uma exceção, o fato é que os carros foram vendidos em território nacional.
Para o colecionador de carros antigos, Alexandre Badolato, o argumento da GM não reflete exatamente a realidade. Segundo ele, o Monza venezuelano foi efetivamente fabricado no país vizinho, embora a GM do Brasil tenha enviado a carroceria desmontada, juntamente com o motor e o câmbio.
Diferenças entre o Monza Venezuelano e o Brasileiro
Independentemente de sua origem, o Chevrolet Monza venezuelano tinha várias diferenças em relação ao modelo produzido no Brasil. A começar pelas rodas de liga leve, que exibiam um desenho exclusivo. O acabamento interno também era diferenciado: a versão S/R venezuelana trocava os bancos Recaro de tecido, muito comuns no Brasil, por confortáveis poltronas de couro.
Além disso, a configuração do Monza Classic venezuelano apresentava uma cabine com detalhes na cor marrom, um contraste em relação às cores utilizadas no Brasil. Até mesmo as opções de cores externas diferiam entre os dois países. No entanto, as diferenças não paravam por aí. O motor 2.0 do Monza venezuelano era abastecido exclusivamente com gasolina, enquanto o Monza brasileiro da época era comercializado com motor a etanol.
Outro detalhe interessante mencionado por Alexandre Badolato é que os modelos venezuelanos não tinham desembaçador no vidro traseiro. Isso porque todos os veículos já vinham equipados com ar-condicionado, e o clima na Venezuela, predominantemente quente, dispensava a necessidade de desembaçar o vidro traseiro.
O Monza S/R venezuelano também podia ser equipado com transmissão automática e injeção eletrônica de combustível, itens que ainda não estavam disponíveis para a versão S/R brasileira. Essas características tornavam o Monza venezuelano uma opção mais moderna e equipada em comparação com o modelo vendido no Brasil naquela época.
A Configuração SL e Outras Versões
Além das versões mais equipadas como o S/R e o Classic, existia também uma configuração de entrada conhecida como SL. Mesmo sendo uma versão de entrada, o Monza SL venezuelano já vinha com uma boa lista de equipamentos, tornando-o uma opção atrativa para o consumidor. No Brasil, a injeção eletrônica só seria introduzida em 1990, com o lançamento da série especial 500 EF, em homenagem à vitória de Emerson Fittipaldi nas 500 Milhas de Indianápolis no ano anterior. Esta edição limitada foi restrita a 5.000 exemplares.
Problemas no Emplacamento e Documentação
Uma peculiaridade interessante do Monza venezuelano em relação ao brasileiro estava na marcação do chassi. Na Venezuela, na época, não era comum gravar o código alfanumérico do chassi diretamente na carroceria do veículo. Em vez disso, o número era registrado em uma plaqueta. No Brasil, por outro lado, a gravação do chassi é feita diretamente em uma parte estrutural do carro, o que gerou problemas durante o processo de emplacamento.
Para resolver essa questão, a General Motors teve que marcar manualmente o chassi dos carros venezuelanos no lado direito do fundo do porta-malas. Mesmo assim, essa solução improvisada não foi suficiente para evitar problemas com os Detrans (Departamentos de Trânsito) e com as seguradoras. Segundo Badolato, alguns proprietários desses veículos enfrentaram dificuldades na hora de contratar seguros ou regularizar a documentação.
Quando surgiam esses impasses, a GM fornecia uma carta explicando a situação do veículo. O texto da carta dizia: “Informamos que o veículo Monza Venezuela trata-se de uma unidade exportada desmontada (CKD) para a Venezuela e que, após montada naquele país, foi devolvida à GMB, sendo aqui comercializada.”
Valor de Mercado do Monza Venezuelano
Apesar de sua raridade, o Chevrolet Monza venezuelano não é um carro altamente cobiçado no mercado de colecionadores. Segundo Badolato, o Monza S/R venezuelano era muito mais caro do que os concorrentes da época, como o VW Gol GT e o GTS. Entretanto, enquanto os modelos esportivos da Volkswagen tiveram seus preços disparados no mercado de colecionadores, o Monza venezuelano não seguiu o mesmo caminho.
Hoje, ele é visto mais como uma curiosidade ou uma peça inusitada da história automotiva brasileira. Não é um carro que desperta o mesmo desejo entre colecionadores como seus concorrentes da época. No entanto, por sua história única e as dificuldades que envolveram sua comercialização, o Monza venezuelano continua a ser um veículo interessante para entusiastas e apreciadores de carros antigos.
Conclusão
O Chevrolet Monza venezuelano é um dos muitos capítulos curiosos da história automotiva no Brasil. Sua chegada ao país, através de um contorno criativo das restrições de importação da época, e suas características únicas em comparação com o modelo brasileiro fazem dele um carro raro e peculiar. Embora não seja tão valorizado no mercado de colecionadores, sua história, marcada por adaptações e desafios legais, torna o Monza venezuelano um exemplo interessante de como a General Motors soube driblar obstáculos e encontrar soluções para vender seus produtos.
Com 570 unidades trazidas ao Brasil em 1989, o Monza venezuelano permanece como uma curiosidade para os apaixonados por carros antigos. Se você tiver a sorte de encontrar um desses exemplares, saiba que estará diante de uma peça rara da indústria automobilística. E, apesar de não ser tão cobiçado quanto outros modelos da época, ele certamente carrega uma história fascinante que merece ser lembrada.